19 de dez. de 2011

sonho delicioso


Hoje eu tive um sonho delicioso,

Tinha cheiro de lavanda, incenso queimado e alarme de chuva.

Havia um som leve de mata gemendo e risada gostosa.

Escutava um velho vinil rasgando na vitrola, ao fundo...

Abertas as grandes portas janelas de papel de arroz,

A nossa sala era varanda silenciosa, contemplação e meditação,

Fechadas as grandes portas janelas de madeira maciça,

A nossa sala era música, era toque e encontros,

Ao cair da noite, sempre no final do dia,

Depois das festas, enquanto dormíamos,

Os cachorros iam patinar no quintal,

Os gatos faziam guerra de espuma na banheira,

ao som de Prince e James Brown,

O papagaio subia para tomar uma dose de conhaque,

e no telhado declamava poemas para a Lua,

Depois desciam todos e dançavam em roda para ela,

Cantavam, giravam e beijavam seu contorno nu,

e ela descia doce e gozava iluminada,

espalhando seu fel pelos sonhos dos homens.

19 de nov. de 2010

um velho de 400 anos

Eu acredito no amor,
Mas não sei se o amor que acredito
é o mesmo amor em que você acredita.
Talvez nem mesmo seja o amor
 que eu costumava acreditar antes.
Toda vez que chega, vem diferente.
Acolhe-se num canto desconhecido de mim,
e quando se vai deixa-o oco inabitável,
para que nunca ocupe sempre o mesmo lugar.
Ele é assim como eu,
parte de mim que me acompanha,
às vezes onipresente, farto e
noutras, distante e vago.

Chego a pensar nele como um velho,
de quatrocentos e tantos anos,
com tantas rugas na cara,
que não se vê mais seus olhos.
O velho amor sentado na sua varanda,
com seu chapéu de palha furado.
Tem apenas o olhar, fundo e tranqüilo,
de quem não precisa repetir
o que seriam meras palavras
para ouvidos surdos,
o que fora sua vida,
suas dores e suas conquistas...

9 de abr. de 2010

simples assim

sou uma pessoa simples,

de sonhos simples,
e por isso mesmo vejo o mundo,
com os mesmos olhos que o vi,
pela primeira vez:


olhos de susto,
olhos de encantamento,
olhos de quem não se acostuma muito,
olhos de quem procura demais,
olhos de quem acredita desconfiando,
olhos de quem desconfia acreditando,
olhos de quem deixa e ganha todo dia,
um pensamento já velho demais,
ou um pensamento muito novo ainda...


Deve ser por isso,
que tenho este olhar:


olhar de quem prefere ouvir,
olhar de quem consegue se calar,
olhar de quem consegue parar,
olhar de quem consegue chorar,
olhar de quem consegue guardar,
olhar de quem não finge olhar,
olhar de quem tem muito dentro,
olhar de quem olha fundo nos olhos,
mas as vezes não consegue se deixar olhar.


há quem diga que sou um mistério,
mas para elas, ou a maioria delas,
é mais fácil crer assim, olhar de fora,
espiar de leve do que entrar de vez,
porque aqui dentro é simples,
tudo que espero é um amor simples,
uma vida simples,
simples assim.

6 de abr. de 2010

Lá pelas tantas...

Lá pelas tantas,
Quando estava pelas tampas,
Vi que eram horas...
Olhei para baixo,
Só vi o meu pulso.
Não havia relógio.
Naquelas veias saltadas,
os anos batiam apressados.


Acelerando, acelerando...


Pressa para quê? Pensou minha mente,
Que nem estava mais ali, de fato,
naquele corpo cansado...
Ela voara, voara para bem longe,
Para algum lugar meu,
Que lá pelas tantas,
Ainda hei de encontrar...

3 de fev. de 2010

De encontro, 2003

Hora marcada
O primeiro sonho,
Encanto e desencanto,
Eu canto o mundo
Mas não canto o meu amor.
Sonho, pele
Vida, choro.
Eu pensei que tudo isso
O primeiro encontro,
Encanto e desencanto,
Viesse num pacote
Embrulhado com amor.
Choro, vida
Pele, sonho.
Mas, meu amor...
O teu amor
Brigou
Com meu outro amor
Amor-próprio.
Que apesar do nome
É menos meu
Que o amor teu.

25 de jan. de 2010

sobre tênis e frescobol

Conversávamos sobre tênis e frescobol , sobre relações humanas, ou melhor sobre relacionamentos entre duas pessoas. Achei a história interessante... Analogia bem montada duma obviedade notória, mas efetiva. Conversávamos sobre Rubem Alves, eu e minha amiga Ana, ou sobre relacionamentos naquela noite... E toda aquela conversa me fez ficar pensativa.

É meu amor ...“A vida é provavelmente redonda” já dizia Van Gogh. E a jogar com ela, eu de um lado da estória e você de outro. Como num jogo de tênis, às vezes rebato a sua jogada, noutras ela me engana e vou dar no outro canto da mesa, enquanto você se prepara para a minha revanche fingindo saber aonde a bola vai cair desta vez. Nunca fui boa nisto, esta coisa de tênis... eu não quero fazer você perder.

E o objetivo todo disto jogo é ferrar o seu adversário, botar a bola fora da quadra, esconder o jogo, simular jogadas e sair por cima. Em contra, podemos tentar o frescobol, jogo mais amigo, mais interativo. Amor, que tal tentar brincar de jogar a bola para mim? Gostei desta história do frescobol Ana!...

21 de nov. de 2009

Aquela vadia...

...Aquela vadia! Obvia e porca como a sujeira de baixo de um tapete velho. Bate-me sempre a porta de madrugada e cutuca-me com idéias sórdidas sobre mim mesma. Não gosto dela com seus olhos borrados e suas meias rasgadas a rir das minhas atitudes calculadas. Puxa-me devagarzinho e com ela vou dormir aquela noite. Na manhã seguinte, acordo enjoada, será que devia ter ao menos gritado para ela ir embora?Não adiantaria... Quando tento perseguí-la corre e pula a janela, posso vê-la virando a esquina com um sorriso cínico no canto da boca. Melhor deixá-la dormir quieta ao meu lado, assim ela se acalma.

Parece-me que é nestas horas quando se está a chutar as latas vazias no meio da rua, ou a olhar a sujeira grudada no fundo do copo vazio é que são feitos os grandes pactos. Quando mais nenhum barulho, nenhum monólogo faz sentido, somente o silêncio impera e zune aos nossos ouvidos surdos. Posso ouvir o silêncio ele já não me assusta mais.

O cachorro magro fuça o monte de lixo da ruela lá fora e ela se aproxima toda gatuna. Entrego-lhe um par de meias brancas. Tenha bons sonhos minha querida vadia...


16 de out. de 2009

O espelho

Ela grita, adormecida renasce.
A escrita agora está calibrada.
Vamos dar uma volta?
Eu já estava com saudades.
Dormiste minha cara amiga,
Hibernaste por longos invernos.
Mas eu não tive medo.
Sabia do teu retiro,
Sabia do teu retorno.
Você me dá um afago e me cospe depois.
Conheço-te.
Vamos dar uma volta?
Eu já estava com saudades.
Da tua boca broto.
Ela arrota-me satisfeita.
Comeu-me inteira.
Mas eu não tive medo.
Sabia do teu desejo,
Sabia da sua fome.
Você me dá um afago e me cospe depois.
Reconheço.
Vamos dar uma volta?
Eu já estava com saudades.

15 de out. de 2009

Os demiurgos

Ah, os homens do mundo!
Físicos, químicos, poetas...
Demiurgos da liberdade e da razão.
Constante dinâmica do atropelamento,
Três milhões de sentimentos passados a ferro.
Mãos no queixo, cotovelo na mesa.


Olho o horizonte,
Milhares de luzes cintilam,
Mais no chão do que no céu.
Onde estão as estrelas cadentes?
Agora se enfileiram no trânsito,
Nas lanternas, nos semáforos,
Nos poucos instantes em que a cidade para.

Isto parece o mundo de hoje,
Mas é o mundo de cem anos atrás.
Os sentimentos de hoje parecem só meus,
Mas são os de cem anos atrás.
Quanto sentimento há nos homens do mundo!
Os Demiurgos da liberdade e da razão.


10 de out. de 2009

A casa da Varanda

Tive um amigo que me escrevia pensamentos. Mais Do que isto, me descrevia suas imagens que brotavam da sua cabeça, preenchendo as madrugadas e meus emails com histórias mirabolantes. Ele dizia que tinha uma casa que sempre visitava no pensamento, a casa da varanda.

Nela viviam as pessoas que ele mais amou, ama e amará na vida. Nela havia festas intermináveis onde a varanda se esticava à medida que as pessoas se multiplicavam nela. Todas estas pessoas coexistiam em um tempo comum onde não havia horas, nem meses, nem anos... E quando ele me contava, eu tinha certeza de que ela existia sim, toda de madeira no estilo colonial e a uma quadra de distância do mar. Unidade de distância esta que ele inventou também.


Não me lembro direito da história, nem bem do amigo agora. Incrível como isto nos acontece depois de um tempo, ou pelo menos deste tempo que temos conhecimento. Mas me lembro desta proeza nata, deste desprendimento, desta possibilidade criativa contagiante e da sensação que a história causava em mim.

E por causa da casa da varanda dele, deste fragmento é que não acredito em tudo que o meu olho vê e que me parece real. Porque hoje, só me lembro da sensação, da única coisa que existe sem se importar com o que é ou não real.